Dois curtas que serão exibidos na “Interiores – Mostra de Cinema da Diversidade Sexual” têm como fonte de inspiração a obra do escritor gaúcho Caio Fernando Abreu, que faleceu em 1996 em decorrência da aids. Homossexual, o escritor teve seus contos frequentemente relacionados à estética de Clarice Lispector, apresentando uma visão dramática e fotográfica do mundo moderno.
São inspirados em contos do escritor gaúcho os curtas ‘Diálogos’, de Danon Lacerda, e “Retratos”, de Bia Lelles, que serão exibidos no dia 31 de julho. A “Mostra Interiores”, realizada pelo Gada e pela Prefeitura, será de 28 a 31 de julho, no Sesc Rio Preto.
Além do cinema, o teatro também busca as referências de Caio Fernando. São inúmeras adaptações e muitas já vistas pelo público de Rio Preto e região. Para refletir sobre o assunto, o blog da “Mostra Interiores” entrevistou o professor André Luiz Gomes de Jesus, mestre em literatura brasileira pela Unesp e pesquisador da obra do escritor gaúcho desde 2005. É autor da dissertação “As representações da morte e do morrer na obra de Caio Fernando Abreu” e em agosto segue para temporada de um ano em Paris, onde dará sequência ao seu doutorado em literatura comparada.
Na sua opinião, por que adaptações de Caio Fernando Abreu tornaram-se tão recorrentes no cinema e no teatro?
André Gomes - Existe, atualmente, um interesse pela obra de Caio Fernando Abreu de um modo geral. Isso deve ao fato de a obra do escritor estar se popularizando entre um grande número de leitores. Para mim, existem outros pontos fundamentais para este interesse. Um deles está centrado na temática da obra de Caio Fernando, marcada pela representação do homem urbano contemporâneo, com seus anseios, sua solidão, sua dificuldade em estabelecer contato com o outro e, por conseguinte, a sua incapacidade de estabelecer relações afetivas duradouras. Junte a isso o fato dele também tematizar a homoafetividade e o homoerotismo. Temos um ponto fundamental para o interesse das pessoas na obra do escritor gaúcho, pois estamos num momento de politização de algumas minorias, inclusive, a minoria LGBT. Outro aspecto fundamental é o interesse da crítica universitária na produção de Caio Fernando, o que está fazendo com que esta se torne reconhecida e chame a atenção de outros setores artísticos.
Há algo na estética narrativa do autor que nos remete muito a estrutura de um roteiro. Isso contribui a conquistar artistas em adaptações?
André Gomes - Sim, de certo modo a obra de Caio Fernando Abreu tem, sim, uma relação direta com o que chamamos media. Nesse sentido, ele compõe textos que dialogam com o cinema, com o folhetim, com a telenovela (outra forma de folhetim), com a canção, etc. Há um contato, na obra do escritor, entre os chamados elementos da alta cultura e elementos da cultura de massa, compondo um texto que se aproxima, por exemplo, do roteiro cinematográfico. Quanto a essa facilidade de adaptação, eu diria que tem muita mais a ver com a temática do que com a estética da obra de Abreu. Digo isso porque grande parte das adaptações da obra de Abreu é de uma fidelidade problemática e explico o porquê. A meu ver, quando um roteirista ou dramaturgo transforma um conto ou romance do escritor em texto fílmico ou peça teatral, ele deve ter a liberdade de subverter esse texto e produzir outro produto, que tem âncoras na obra do escritor, mas que tem um aspecto autoral. Não é isso que sinto na maioria das adaptações, que está colada ao texto de Abreu e quase não ousa.
O escritor Caio Fernando Abreu poderia ser classificado como um “antena” de uma geração gay?
André Gomes - Concordo que Caio Fernando Abreu seja uma voz que discute elementos que são ainda considerados tabus em nossa sociedade, entre eles a sexualidade. Ele fala sobre homossexualidade, drogas, amor, desejo e isso faz com que, cada vez mais, um maior número de pessoas o leiam. Entretanto, existe sempre um perigo em colocar o escritor no nicho dos escritores gays. Eu não acho que a obra de Caio Fernando seja gay, mas que a temática do homoerotismo é um elemento forte em sua obra. Das mais de 100 narrativas que ele escreveu, no máximo 23 são de temática gay, ou seja, não é uma obra marcada somente por esta temática. O que a produção dele apresenta, volto a frisar, é uma espécie de zeitgeist (ou espírito de um tempo) que mostra o homem urbano contemporâneo e, entre essas temáticas, está a temática sexual e homossexual.
Caio Fernando Abreu (1948 - 1996)
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