segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Caio Fernando por Candé Salles na Interiores 2015

A mostra INTERIORES 2015 começa reverenciando um dos escritores mais emblemáticos para o público LGBT e mais renovadores da literatura brasileira, Caio Fernando Abreu. A quinta edição da mostra de cinema da diversidade sexual começa neste dia 23, quarta-feira, no Sesc Rio Preto, com o documentário ‘Para Sempre Teu Caio F.’, que traça a trajetória de Caio Fernando a partir de depoimentos de pessoas que conheceram o escritor gaúcho.

 Caio Fernando em Londres (Foto: Marcos Santili)

Presente na abertura da mostra INTERIORES, o diretor carioca Candé Salles conta um pouco de sua relação com Caio Fernando e sobre o seu documentário no texto que segue abaixo, bem no estilo Caio Fernando de escrever. Confira:

 Caio e Candé em 1994

Aos 17 anos conheci a obra de Caio Fernando Abreu através de seu mais famoso livro, ‘Morangos Mofados’. ‘A Caetano Veloso porque ele existe’, começa assim o livro.

Enquanto meus amigos queriam jogar futebol e ouvir rock eu seguia quieto pelos cantos, lendo Caio e ouvindo Caetano em fita K7. Fiquei muito impressionado como Caio conseguia definir em palavras os sentimentos e as sensações que tenho dentro de mim. Queria mais, então fui ler ‘O ovo apunhalado’, livro que considero o meu favorito. Depois do ‘ovo’ não parei... Li todos.

Eu sempre fui um amante da literatura e, apesar de ser um cara animado, que adora sair, gosto também de ficar em casa lendo. E com os livros de Caio comecei a me entender por dentro, fundo. Me senti exposto ali. Tenho a impressão que todos que leem Caio se sentem assim, parece que ele escreve pra você.

Fiquei dos 17 aos 18 numa espécie de mergulho dentro da obra literária de Caio. Decorava os textos que eu mais gostava, e comecei uma busca por tudo que podia encontrar dele, crônicas de jornais, matérias de revistas, fotos, entrevistas. E me apaixonava a cada descoberta por esse escritor maravilhoso.

Escolhi cinco contos que eu mais gostava de livros diferentes e fiz um roteiro para o teatro com esses textos. Consegui o telefone de Caio e liguei pra ele me apresentando. ‘Caio Fernando? Tudo bem? Meu nome eh Candé, moro no Rio, tenho 18 anos, e peguei 5 contos seus e adaptei para o teatro, e queria  pedir pra você autorizar eu montar’. Do outro lado, Caio ria de mim e dizia...’ 18 anos?’.  Eu disse a ele...  ‘Porque você não lê o que eu fiz e depois você vê se ri ou não?’ Caio concordou e me passou o endereço do bairro Menino Deus, em Porto Alegre, onde morava. Mandei pelo correio.

Passou muito tempo, 1 mês, e Caio me ligou perguntando se fora eu mesmo q tinha feito a adaptação e se eu tinha 18 anos? Foi a minha vez de rir. Perguntou também se eu conhecia o diretor Gilberto Gawronski, gaúcho que mora no Rio. Dizia ele: ‘Se Gilberto aceitar dirigir, eu autorizo a montagem’. Gilberto aceitou e com Natalia Lage, Suzana Pires, Mauricio Branco e Henrique Farias o elenco estava formado.

Caio veio ao Rio no início de 94 e ficou uma semana com agente, assistiu aos ensaios dando opiniões a Gilberto. Eu ficava olhando pro Caio agradecido por estar trabalhando com ele. E pensei que, se eu fizer o meu trabalho com dedicação, a vida me aproximaria de meus ídolos. Era isso que tinha acontecido.

Depois fomos estrear a peça em Fortaleza. Caio foi junto. Ficamos perto. Dividimos almoços, jantares, pegamos sol na piscina do hotel e  falamos de vida, arte,  música e de Caetano. Caio era louco nele. Quem não eh? Pensei... um dia ainda vou conhecer esse cara. De Fortaleza Caio voltou pra Porto Alegre e seguimos com a peça viajando pelo Brasil.

No início de 95, fizemos uma temporada no teatro Augusta em SP. Caio ia sempre ao teatro e saía pra jantar com agente. Riamos muito. Caio era engraçado e delicado. Nos tratava sempre com muito carinho, chegou a escrever uma crônica dizendo que éramos como filhos não tidos dele.

Depois disso, Caio adoeceu e acabou por nos deixar, vitima da aids, em 96. Fomos no dia de sua morte à praia do Arpoador rezar por ele. Caio partiu me deixando um vazio por dentro. No ano seguinte, fui estudar cinema e descobri que era isso que eu queria pra minha vida. Comecei a trabalhar numa produtora e conhecer as pessoas do meio cinematográfico.

Numa festa do diretor Cacá Diegues, acabei conhecendo Caetano. Nos tornamos amigos. Em 98, Caetano fez uma festa de aniversário e me convidou. Fui e levei pra ele um exemplar de ‘Morangos Mofados’. Acho que Caio gostou que fiz isso. E pensei que depois que conheci Caetano essa dor, da falta de Caio, amenizou-se. É da natureza da dor parar de doer, diria Caio.

Hoje, eu com 39 anos, diretor de cinema, lanço um documentário sobre Caio, ‘Para sempre teu Caio F.’, baseado no livro de mesmo nome que Paula Dip escreveu. E é com muito amor que conto a história desse escritor que a vida colocou e tirou tão rápido de perto de mim.

Vou com o filme rodar os cinemas do Brasil e depois ele passa na TV. Espero que vocês vejam, torço pra que vocês gostem e fiquem a fim de ler um livro dele.

Candé Salles

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